quarta-feira, 23 de outubro de 2019

REFORMA PROTESTANTE E ESTADO MODERNO: o Direito como garantia da Paz Social




REFORMA PROTESTANTE E ESTADO MODERNO: 
o Direito como garantia da Paz Social

Gabriel Afonso Campos[1]
Isabela Antônia Rodrigues de Almeida[2]
Rodrigo Marzano Antunes Miranda[3]

RESUMO: Este estudo concentra-se na passagem da Idade Média para Estado Absolutista moderno e atenta para a norma Moderna, pós Reforma Protestante, onde a perpetuação da Paz, de caráter Social é forjada no Direto, que nasce para o Ocidente, impregnado de grande significado político e religioso (moral). A Paz Social concebe-se como o norte de toda discussão politico-religiosa e a Idade Média se reconstrói sob os escombros do Império Romano que sucumbe em guerras intermináveis.  O pensamento teológico-político de Lutero e Calvino mostrar-se-á essencial para essa transição, que implica na delimitação de duas esferas de poder distintas: o reino espiritual e o reino temporal.
PALAVRAS-CHAVE:1. Reforma Protestante. 2. Medievo. 3. Direito. 4. Modernidade. 5. Paz Social.

RESUMEN: Este estudio se centra en El paso de La Edad Media a un Estado Absolutista moderno y atenta a la norma Moderna, post Reforma Protestante, donde La perpetuación de la Paz, de carácter Social es forjada en el Directo, que nace hacia Occidente, impregnado de gran significado político y religioso (moral). La Paz Social se concibe como el norte de toda discusión político-religiosa y la Edad Media se reconstruye bajo los escombros del Imperio Romano que sucumbe en guerras interminables. El pensamiento teológico-político de Lutero y Calvino se mostrará esencial para esatransición, que implica La de limitación de dos esferas de poder distintas: el reino espiritual y el reino temporal.
PALABRAS CLAVE:1. Reforma Protestante. 2. Medievo. 3. Derecho. 4. Modernidad. 5. Paz Social.

1 – CONSIDERAÇÕES INCIAIS: O PENSAMENTO TEOLÓGICO-POLÍTICO DE LUTERO E CALVINO
Os dois grandes reformadores do século XVI, Martinho Lutero e João Calvino, possuíam formação teológica. Não obstante isso, seus pensamentos possuem notas de uma Filosofia política abrangente e que, no contexto de estudo da Reforma Protestante, merecem alguma atenção, visto que é a partir do pensamento teológico desses reformadores que diversas mudanças políticas ocorrerão na Europa nos anos posteriores a suas existências (STRAUSS; CROPSEY, 2013, p. 285)[4]. É nesse sentido que a transferência da garantia da Paz Social da Igreja para o Estado deve ser vista: ela é um processo histórico que só se realiza fundamentada (e não só) no pensamento teológico desses religiosos que contestaram a estrutura político-religiosa até então existente, mesmo que não fossem conscientes das implicações que suas reflexões teriam nos anos seguintes. 
A principal preocupação de Lutero e Calvino em seus escritos sobre política é situar seu posicionamento em relação à religião. Dessa forma, ambos discutem temas como o relacionamento entre poder civil e poder religioso e as competências e direitos de cada uma dessas esferas. Não obstante serem completamente diferentes no que tange a seus temperamentos e modos de expressão, Lutero e Calvino:
(...) concordam entre si de modo amplo e geral. Acatam as mesmas autoridades, adotam quase o mesmo método, e a estrutura e a maior parte das conclusões de seu pensamento são semelhantes o bastante para nos autorizar a trata-los em conjunto, apontando as diferenças na medida em que ocorrem (STRAUSS; CROPSEY, 2013, p. 286).
Assim, é necessário partimos de dois pontos nevrálgicos que separam a Teologia protestante da Católica, ambos compartilhados por Lutero e Calvino. São eles: 1. a justificação somente pela fé (expresso na máxima sola fide) e 2. a autoridade suprema das Escrituras em matéria de Fé (sola Scriptura). 
Pelo primeiro princípio, os reformadores, partindo do pressuposto da completa corrupção do homem e da sua incapacidade absolta de se chegar a Deus, afirmam que somente a fé é capaz de justificar o homem decaído por causa do pecado. Dessa forma, as obras, os méritos próprios e alheios e a intercessão dos santos tornam-se inúteis para a salvação da alma. Isso não quer dizer que o homem seja incapaz de praticar boas obras, mas, tão somente, que sua salvação, por causa do pecado, é imerecida e só se dará exclusivamente por vontade divina. A partir desse pensamento, que rompe com a tradição católica medieval que admite que o homem pode fazer algo por própria conta pela sua salvação, resta ao pecador somente admitir sua corrupção e esperar (crer) na salvação operada por Deus, isto é, reconhecer que sua salvação se dará somente pela fé, sola fide (STRAUSS; CROPSEY, 2013, p. 286-287).
Ao assumirem tais concepções, os reformadores também assumiram uma postura de desconfiança com relação à Razão. Dessa forma, a distinção entre Teologia e Filosofia fora, segundo eles, perdida durante a Idade Média. A absoluta incapacidade do homem de se justificar, exceto pela fé em Deus, leva a uma pergunta: o que resta então, da Teologia?
(...) a reposta dos reformadores foi inequívoca: o único critério da verdade teológica deve ser a Palavra revelada por Deus, tal como expressa nas Sagradas Escrituras do antigo e do Novo Testamentos. Só assim pode a Teologia escapar da exagerada confiança na natureza caída ou na razão corrompida. Nem a tradição da Igreja nem o filosofar humano devem ser contra as Escrituras (STRAUSS; CROPSEY, 2013, p. 288).
O segundo princípio, sola scriptura, traz a ideia de que as Escrituras são autojustificadoras, isto é seu sentido, sua interpretação e seus mandamentos são evidentes para todos os homens de boa vontade e devem ser acatados por todos, pois, nelas, a verdade aparece de forma hialina. A Bíblia, por sua vez, contém uma série de passagens que concerte ao mundo político. É dessa forma que Lutero e Calvino desenvolverão seus pensamentos políticos e farão comentários sobre tais passagens, que repercutirão no mundo político de então (STRAUSS; CROPSEY, 2013, p. 289).
A aceitação desses pressupostos não implica em um esvaziamento da Razão, da Política ou até mesmo das obras de bondade e caridade. Ao contrário, evidenciam a presença constante do homem em duas esferas, dois reinos que são distintos, mas que se complementam na medida em que possuem sua origem em Deus. Para Lutero e Calvino, “[...] as normas éticas não são revogadas. Embora sejam irrelevantes para a questão da salvação, são, no entanto, dadas e estabelecidas por Deus com um objetivo, e há outra esfera – o mundo em que a sal validade adequada permanece totalmente intacta” (STRAUSS; CROPSEY, 2013, p. 290).
Lutero e Calvino afirmam a dupla cidadania do homem, isto é, seu pertencimento a dois reinos: o Espiritual e o Temporal. Ele pertence à Terra e ao Céu e, assim, deve obedecer às leis divinas emanadas das Escrituras e àquelas oriundas da Razão, da tradição Filosófica e das autoridades seculares. A distinção entre essas duas esferas é uma das tarefas precípuas da Teologia e incorreta distinção entre uma e outra leva à desordem em ambas (STRAUSS; CROPSEY, 2013, p. 291)[5].
É errôneo afirmar que, no pensamento teológico-político de Lutero e Calvino, esses reinos encontram-se apartados e não exercem influência sobre um e outro reciprocamente. Ao contrário, os dois têm sua origem em Deus que dispensa sua Graça tanto através do poder secular quanto do poder religioso, isto é, tanto através do pregadorquando através do governante. O reino espiritual leva o homem a amar a Deus, enquanto o reino temporal o leva a servir aos outros homens. Ambos são necessários para a vida no mundo e caminham para a consumação de todas as coisas com o retorno de Jesus Cristo para o mundo terreno.  “Os dois devem colaborar e o fazem, é verdade, mas apenas de tal forma que não confundam a sua separação e igualdade perante Deus.” (STRAUSS; CROPSEY, 2013, p. 291-292). Dessa forma, segundo Lutero:
(...) deve-se tomar cuidado em conservar distintos os dois governos e permitir que ambos continuem [seu trabalho], um para tornar justos [os homens] e o outro para estabelecer a paz exterior e impedir os delitos. Nenhum deles é suficiente para o mundo sem o outro. Sem o governo espiritual de Cristo, nenhum homem pode se tornar justo aos olhos de Deus [apenas] pelo governo secular.No entanto, o governo espiritual de Cristo não se estende a todos; ao contrário, em todos os tempos os cristãos são os menos numerosos e vivem em meio aos não cristãos. Inversamente, onde o governo secular ou a lei governa por si só, prevalece a hipocrisia pura e simples, ainda que fossem os próprios mandamentos de Deus [que estivessem sendo executados (LUTERO in HÖPFL, 2005, p. 17).
E, ainda, segundo Calvino:
(...) o governo [secular] e o reino interno e espiritual de Cristo são muito diferentes. Mas devemos reconhecer igualmente que de movo algum são incompatíveis entre si. Pois desde já, enquanto ainda estamos na terra, o governo espiritual de Cristo estabelece em nós algumas fontes do reino celestial e, nesta vida mortal e evanescente, nos permite um certo antegozo da bem-aventurança incorruptível e imortal (CALVINO in  HÖPFL, 2005, p. 74).
reino temporal é o espaço do poder político, que a esse reino pertence completamente. Ele não pode mediar à justificação, tal como a religião o faz através da doutrina, entretanto, é uma instituição necessário no mundo corrompido do pecado e tem sua autoridade extraída diretamente de Deus, que o deseja e realiza sua vontade através dele. O reino espiritual, por sua vez, é a comunidade dos fiéis batizados, que se organizam para prestar o culto divino e se subordinam às autoridades religiosas. Nele, é que a salvação é mediada. Ambos os reinos são independentes, possuem sua esfera de atuações distintas, mas devem cooperar para a existência e bem-estar mútuos (STRAUSS; CROPSEY, 2013, p. 293-295)[6].
O Estado possui duas funções: uma para com a comunidade política e outra para com o poder religioso. Ele deve cuidar dos pobres, gerir escolas, universidade etc. e, também, fornecer apoio material para a comunidade cristã, tendo por responsabilidade a manutenção do culto divino e da sã doutrina. Lutero afirma que “A Espada é indispensável ao mundo inteiro, para preservar a paz, punir o pecado e refrear os iníquos” (LUTERO in HÖPFL, 2005, p. 20). Enquanto Calvino diz que:
(...) a finalidade do governo secular, porém, enquanto permanecermos neste mundo, consiste em: favorecer e proteger o culto exterior a Deus, defender a pura doutrina e a boa condição da Igreja, harmonizar nossa maneira de viver às exigências da sociedade humana, moldar nossa conduta à justiça civil, reconciliar-nos uns com os outros e sustentar e defender a faz e a tranquilidade gerais. (CALVINO in HÖPFL, 2005, p. 75).
Não obstante a separação entre os reinos ser bastante opaca, como se viu, a definição dos reinos espiritual e temporal representa uma cisão com a ordem político-jurídica medieval, na medida em que Lutero e Calvino condenam a usurpação da função de um reino pelo outro. Nesse processo, como se verá mais adiante, o Estado surge como o grande garantidor da Paz Social que, substituindo a Igreja Católica (mesmo que gradualmente e não em todos os locais da Europa recém saída do Medievo) será responsável por organizar a sociedade civil e definir as leis que a regerão. Nesse sentido, os Reformadores:
(...) restringem a Igreja de modo muito mais rigoroso que o padrão medieval, e o fazem com o fundamento de que só assim pode a Igreja ser a Igreja, e o Estado ter a dignidade e a autoridade que são corretamente seus. Não desejam ser ligados à doutrina das “duas espadas” ou a qualquer tipo de cesaropapismo. Só pode haver uma espada, e esta pertence apenas ao governo secular. O governo espiritual nega sua própria natureza quando usurpa a função própria do governo secular, e o inverso também é verdadeiro. [...] Igreja e Estado devem colaborar, é verdade, mas apenas como servos de Deus “separados, porém iguais” (STRAUSS; CROPSEY, 2013, p. 296).
É este pensamento que, no rastro de toda a tradição medieval, mesmo que a negá-la, contribuirá para a centralização do poder político, da ordem, do Direito e da garantia da Paz Social no Estado moderno que então nascia.
2 – A TRANSIÇÃO DA ORDEM JURÍDICA MEDIEVAL PARA MORDERNIDADE
O cenário medieval, que antecede a Reforma Protestante, é marcado por uma grande pluralidade jurídica e, também, por um vazio político que será preenchido apenasparcialmente, posto que nenhuma organização política conseguiu reunir em si “ a efetividade do poder e a clareza de um programa político englobante.” (GROSSI, 2014, p. 53-54). É um mundo percorrido por forças desagregadoras, de modo que predominava um movimento centrífugo, o qual gerava uma realidade definida por particularismos, seja jurídico, político ou econômico (GROSSI, 2014, p. 54). Desse modo, a Idade Média constituiu uma realidade perfeita para uma estrutura universal, como a Igreja Católica e o Sacro Império Romano-Germânico, que adentravam nos pequenos reinos ecidades feudais com símbolos e ideais, de forma que tentavam ocupar o vazio político medieval, marcado pela incompletude.
Assim, o direito no medievo era caracterizado pela sua factualidade[7], uma vez que era desprovido de coercitividade estatal. Dessa forma, a factualidade que caracteriza o direito significa “uma tentativa desesperada de encontrar solidez para além do convencional e do artificial, num mundo simples de fatos que o operador respeita com absoluta humildade.” (GROSSI, 2014, p. 71). Nesse sentido, o direito é espelho e intérprete da sociedade na qual está inserido, de modo que é fruto e participante vivo da história. Ele conserva os costumes na sua mobilidade, e é avesso ao autoritarismo rígido, o que permite “ele adquira e conserve o bem supremo de uma íntima coerência com as estruturas e com o espírito da civilização subjacente.” (GROSSI, 2014, p. 74). Essa pluralidade que se insere no direito demonstra um panorama que Jean-Etienne-Marie Portalis denominou como uma “sociedade de sociedades” (GROSSI, 2010, p. 45).
Destarte, Portalis introduz no Código Civil Napoleônico o “Discours préliminaire”, no qual percebe que a codificação proporcionou a unidade do reino da França, mediante a grande compactação e centralização propiciada pelo Código e pela Revolução. Contrapõe-se, assim, ao antigo regime, no qual o governo francês estava inserido em uma sociedade complexa, ou melhor, uma autêntica “société de sociétés”. Termo este que especifica de maneira precisa a realidade do cenário medieval francês, - como também de toda Europa medieval. 
(...) que encontrava bem no meio do universo Moderno a imagem de um Estado ainda incapaz de se liberar de antigos condicionamentos, ainda portador no seu seio – malgrado a marcha solene e o progredir da estatalidade na França – de relíquias medievais.(GROSSI, 2010, p. 45).
Conforme apresentado, a sociedade medieval era demasiadamente completa, devido a pluralidade jurídica e social, bem como era reificante, de modo que, como apresentado por Santo Tomás de Aquino, a comunidade era perfeita, e o indivíduo, imperfeito. Isto posto, “o individualismo é um vício completamente estranho à civilização medieval.” (GROSSI, 2014, p. 242). É um universalismo voltado para a consolidação de uma ordem comunitária, de maneira que forma uma teia (GROSSI, 2010, p. 48), marcada pela diversidade, enquanto o Estado é determinado pela unidade. Por conseguinte, a crise estrutural desenvolvida a partir do século XIV trará, com a Revolução Humanista e a Revolução Luterana, a capacidade do indivíduo de se libertar da comunidade,“de dialogar sozinho com Deus, de ler sozinho os textos sagrados, de ser o eixo criador da sociedade.” (GROSSI, 2014, p. 242). É um processo de libertação que transporta o indivíduo e o Estado como protagonistas do cenário político-jurídico. Ademais, a desconfiança das instituições até então consolidadas, como a Igreja em seus abusos da fé e ingenuidade do povo, proporcionará a libertação desse homem inserido na teia do medievo, no qual tentará construir o seu próprio cosmo, sua própria realidade.
Não é, certamente, uma passagem improvisada, como a ingenuidade de uma exposição necessariamente apressada poderia fazer acreditar, nem uma revolução brusca do relógio histórico; é, melhor, uma escavação tão lenta quanto profunda que, do século XIV em diante, incide a sociedade na sua constituição e na sua imagem. No velho organismo, como sempre acontece, com sinais de cansaço e de usura, estavam as células tumorosas que lentamente tomaram cada vez mais espaço e ali encontram, ainda, hospitalidade e nutrição. O velho traz em si o gérmen do novo, nutre a sua morte; um processo que nós desenvoltamente somos avessos a liquidar com uma palavra, a identificar em um só fato, em uma monocausa, mas que na realidade histórica é sempre o fruto de um feixe de motivos, os quais, se acumulando um sobre o outro, no final rompem e transtornam. (GROSSI, 2010, p. 57-58)
O direito não mais é universal, como o ius comune, nem tão local, como o iura propria, mas a dialética entre os dois na qual gera o direito nacional. Não é uma eliminação, mas uma supraassunção do direito universal com o local[8], que inicialmente não pretende monopolizar, mas com paulatino tempo, a sociedade demanda uma simplicidade que apenas se encontra no monismo jurídico do Estado. Ao invés de uma “sociedade de sociedades”, a nova ordem jurídica gestada na Idade Média, pretende-se uma insularidade estatal, mediante a codificação do direito. Assim, passa-se de um direito que fundava no social e na razão[9] para um direito fundado na vontade do governante, de maneira que a lei se torna pura[10], deixa-se de fundar na finalidade e no conteúdo[11]. Nesse sentido, o Príncipe torna-se legislador e tende a projetar exteriormente a sua vontade, que encontra em si sua justificação: “E o direito, entendido por aquilo que verdadeiramente pode ser, ou seja, o cimento da ilha política, será inserido no objeto imediato do seu controle. E contribuirá para melhor definir a insularidade do novo edifício estatal.” (GROSSI, 2010, p. 65). O pluralismo jurídico medieval é substituído pelo monismo jurídico moderno devido à politização e a formalização da forma jurídica. Forma-se o Estado insular com o direito positivado.
O novo Estado, precisamente por ser entidade política absolutamente compacta, precisamente por ser forma histórica de um poder político consumado, tendo inserido o direito entre os objetivos de seu controle, realiza uma profunda mutação na paisagem jurídica. O novo Príncipe legislador rejeita o direito comum, o que faz recordar velhas túnicas pesadíssimas, rejeita a invasão arriscada de mensagens universalistas que sente como lesões a compactação do seu poder, e se dedica à criação de um direito nacional, um direito insular para a ilha/Estado que, a partir de uma normatização nacional, consolidará a sua insularidade. (GROSSI, 2010, p. 66)
Essa positivação e centralização do direito no Estado, ou melhor, insularização, conforme Paolo Grossi, foi demasiadamente influenciada pela Reforma Protestante, enormemente pelo pensamento de Martinho Lutero e João Calvino. Assim, Lutero, juntamente com Calvino, divide a humanidade em dois reinos: o reino de Deus e o reino do mundo. Ao reino de Deus pertencem “todos aqueles que acreditam verdadeiramente em Cristo [...], pois Cristo é o senhor no reino de Deus, como proclamam segundo o segundo Salmo [v.6] e o conjunto das Escrituras.” (LUTERO inHOPFL, 2005, p. 12). Ao reino do mundo pertencem os não cristãos, e estes que são submetidos à lei e ao julgo da Espada. Com essa demarcação, Lutero revoluciona ao retirar a Igreja do âmbito político, cabendo a esta ao reino de Deus. E aquela que suspeitava e restringia qualquer poder político forte que a ameaçasse, agora deveria ceder o espaço do político, que no medievo não foi ocupado, para uma autoridade que poderá ocupá-lo: o Estado. É a partir da separação entre os dois reinos de Lutero, juntamente com as correntes anteriores como o nominalismo de Guilherme de Ockham, que o Estado pôde se desenvolver e adentrar o espaço político na transição do medievo para a modernidade, de modo que houve assim, um poder forte e centralizado.
Para Lutero, o direito possui um caráter repressivo, responsável pela garantia da ordem. Desse modo, “existem clareza e certeza suficientes quanto ao modo pelo qual a Espada e a lei seculares devem ser empregadas de acordo com a vontade de Deus: para punir os malfeitores e proteger os justos.” (LUTERO in HOPFL, 2005, p. 10). Mas essa repressão é apenas para aqueles que não compõem o reino de Deus, ou melhor, os não cristãos. Haja vista que os cristãos, para Lutero, não precisam de repressão uma vez que “[os verdadeiros cristãos] têm o Espírito Santo em seus corações, que os ensina e os leva a amar todas as pessoas, a não tratar ninguém de modo injusto e a suportar prazenteiramente as injúrias, até mesmo a morte.” (LUTERO in HOPFL, 2005, p. 12) Ademais, as leis e a Espada não poderiam encontrar funcionalidade em relação aos cristãos, visto que eles estão em conformidade com Deus e agem em consonância com seus ensinamentos, e vão além, de forma justa. Conforme Primeira Epístola a Timóteo 1: “As leis não são destinadas aos justos, mas aos injustos”. Assim, a finalidade do direito no pensamento luterano é “puramente instrumental: a repressão dos pecadores, a fim de preservar o pouco de ordem neste mundo terrestre.” (VILLEY, 2005, p. 315). 
Desse modo, o direito passa a ser repressão, uma sanção que cabe ao Estado executar. Este possui fundamento de sua autoridade em Deus, posto que “não há poder que não venha de Deus, e o poder que existe por toda a parte é estabelecido por Deus. De modo que aquele que resiste ao poder opõe-se à ordem estabelecida por Deus.” (LUTERO in HOPFL, 2005, p. 9). O Papa não possui autoridade de organizar a sociedade civil e manter a ordem, ela cabe ao Príncipe temporal, uma vez que foi Deus que instituiu o seu poder de ordenar os homens, o reino do mundo: “Portanto, a lei divina nos ordena a obedecer ao príncipe secular, a seus comandos, a suas leis.” (VILLEY, 2005, p. 325). Por conseguinte, a Reforma Protestante corroborou para a centralização da ordem jurídica no Estado, essa noção do direito como sanção. “A ontologia do direito moderno (ou, talvez, mais precisamente, a ausência de ontologia na filosofia moderna) está em germe nessa redução do direito a uma técnica de repressão a serviço da ordem e nessa ruptura prática entre o direito e a justiça.” (VILLEY, 2005, 316).  A garantia da ordem, ou melhor, da Paz Social, é o fim último do Estado.

3 – CONSIDERAÇÕES FINAIS: A COSTRUÇÃO DA PAZ SOCIAL PELO ESTADO MODERNO
A Idade Média nasceu dos escombros do Império Romano. O período de oficialização da Igreja e da religião cristã, nos séculos IV e V, coincide com o momento de crise do mundo clássico, (...) a Igreja Católica veio a ser a grande herdeira do legado Imperial, preservando em parte a cultura latina nas bibliotecas dos mosteiros, tomando de empréstimos modelos administrativos e organizacionais, adotando o latim como forma de expressão oficial, pretendendo se impor em âmbito universal (...). (MACEDO, 2016, p. 21).

Vemos em toda Idade Média a garantia da Paz Social[12] ser discutida e por vezes, motivação de conflitos entre o poder espiritual[13] e o poder temporal (MACEDO, 2016, p. 28).Em uma sociedade, dispersa, destroçada por guerras sem fim, a Igreja Católica se fortaleceu juntando os escombros de Roma. Temos que ter em mente que concepções políticas e religiosas se entrelaçam neste período e é assim que a Paz Social passa a ser o norte de todo mundo conhecido, reorganizado e agora dominado pela Igreja, na figura de única mediadora do homem para com Deus.

3.1 - Tréguas de Deus e Paz de Deus: nasce o Direito a Paz? 
A história da humanidade, pós queda do Império Romano, tal como se apresentava, corria o risco de nunca conhecer senão caos e decomposição. Após invasões sucessivas e de formação por povos desarmônicos (religiosa e culturalmente). Fica-nos a certeza de que esta Europa tão dividida e perturbada renasce para uma era de harmonia e de união tal como ela – a sociedade – nunca conhecera. A era da busca incessante pela Paz Social.[14] (PERNOUD, 1997. p.13.).
A partir dai vemos monarcas, preferindo a arbitragem[15](SALGADO, 2017) à guerra, submeter-se ao julgamento do papa ou de um rei estrangeiro para regularizar as suas dissensões:
O que estava em jogo, na realidade, era a disputa entre os representantes supremos do poder espiritual e do poder temporal para saber quem, em última instância, detinha a autoridade sobre toda a Cristandade, quem teria precedência sobre os príncipes e os reis. (MACEDO, 2016, p. 29).
As Tréguas de Deus[16](SALGADO, 2009. p. 61.)surgem logo após a queda do Império Romano do Ocidente em 476. O que provocou um vácuo de poder na Europa ocidental, aliado com as constantes migrações de tribos germânicas, nórdicas e orientais para este espaço o caos instalou-se. À medida que estas tribos iam ocupando espaços territoriais, as que ainda não o tinham feito na época do Império Romano Ocidental, foram gradualmente convertendo-se ao cristianismo[17].
No século VIII e inícios IX imergir na França um novo poder, os Carolíngios, que conseguiu a partir de uma centralização política, administrativa, econômica, militar e cultural controlar as hostilidades entre os diferentes nobres e populações incrementando um período de paz, prosperidade e segurança.
Mas este poder começou a dissipar-se após a morte de Carlos Magno em 814 e gradualmente ao longe do século IX o caos, com pilhagens, roubos, motins, violações, assassinatos, destruição de igrejas e propriedade cristã, voltou a instalar-se. 
Convém lembrar que, desde de 756, a autoridade dos papas não era exclusivamente de natureza religiosa, mas também política, dada à influência que exerciam em domínios territoriais. (GOFF; SCHMITT, 2002).
Assim os concílios passam a recomendar, quando não a impor a Paz de Deus[18] (SALGADO, 2009. p. 61.), contrariamente à violência que era recorrente e muitas vezes utilizada pelos nobres como ferramenta para as próprias ambições. O conceito de Paz de Deus começa a ganhar força no decurso dos séculos X e XI, assente essencialmente na premissa que um cristão não podia matar ou fazer mal de qualquer forma a outro cristão. Foram expressamente proibidas pela Igreja as pilhagens, os roubos, os atos de violência contra as populações e propriedade da Igreja, o não cumprimento destas diretivas resultava na excomunhão.
O poder da Igreja acentuava-se à medida que a Idade Média tomava o seu curso, a Paz de Deus foi o ponto chave da fixação do poder clerical[19] (SALGADO, 2009. p. 128.). Conseguiu controlar os nobres e populações mediante o medo de excomunhão e condenação eterna ao inferno. Nem os monarcas conseguiam deter este tipo de poder sobre as populações, aliás até os próprios monarcas estavam sujeitos às leis divinas e controle espiritual por parte do clero.
Com o surgimento das cruzadas no século XI, a Paz de Deus ganhou especial relevo, e a ideia de não fazer mal a outro cristão, de forma a controlar os cruzados que deslocavam-se para a Terra Santa no seu percurso pela Europa, a Paz de Deus foi utilizada como mecanismo de salvaguarda dos territórios cristãos relativamente a outros cristãos.

3.2 - O Direito Moderno e sua exigência: o indivíduo
As ideias Luteranas influenciaram mais pessoas dispostas a romper com a orientação da Igreja romana, e logo surgiram vários outros líderes e teólogos protestantes. As ideias reformistas ganharam expressão e vigor (...). (MANCEDO, 2016, p. 38).
            O mundo moderno passa a se organizar a partir da Reforma Protestante, deslocando a garantia da perpetuação Paz Social[20] (SALGADO, 2009. p. 128.) na sociedade (oficio, até então exclusivo da Igreja Católica) – para promover uma ruptura na cristandade: exacerbaram as noções de individualismo (o que reafirmou a autonomia do indivíduo frente à autoridade eclesiástica e às instituições religiosas), concedendo especial importância à legalização e normatização da vida pública comum, agora sim, desmembrada do poder da Igreja Católica e repensada, resistematizada e mais que isso resinificada para um novo mundo (o do individuo). O espaço utilizado como ‘incubadora’ do Direito Moderno foi os concílios ecumênicos, seja por disputas locais e/ou políticas propiciava o ambiente lógico e necessário para preservação da Paz Social enquanto decisão coletiva (MANCEDO, 2016, p. 39) .
(...) seja em seu momento de formação, em Niceia, seja em momentos cruciais de transformação e adaptação, os concílios ecumênicos revelaram-se espaços privilegiados de disputa, poder e locais de criação de consenso social. (MANCEDO, 2016, p. 38).
                  Por isso arrisca-se aqui concatenar com a norma Moderna, pós Reforma Protestante: a perpetuação da Paz, de caráter Social é forjada no Direto, que nasce para o Ocidente, impregnado de grande significado político e religioso (moral) no sentido mais amplo das palavras (CHAUNU, 1993).
Precisamos, contudo, nos integrarmos na mentalidade da época: não é à Santa Sé que impõe o seu poder aos príncipes e aos povos[21] (PERNOUD, 1997. p. 61.), mas estes príncipes e estes povos, sendo ‘crentes’, recorrem naturalmente ao poder espiritual, quer eles queiram fazer fortalecer a sua autoridade ou respeitar os seus direitos, quer desejem fazer solucionar as suas questões por um árbitro imparcial.[22] (PERNOUD, 1997. p. 61ss). O imperativo audacioso da Igreja de unir os dois poderes – o espiritual e o temporal, para o bem comum se salda num êxito. Era a garantia de paz e de justiça este poder moral (da Igreja) do qual não se podiam infringir as decisões sem correr perigos precisos, entre outros, o de se ver despojado da sua própria autoridade e afastado da estima dos seus súditos.[23](PERNOUD, 1997. p. 193.).
Não se contestou o problema da guerra em geral, mas, por uma série de soluções práticas e de medidas aplicadas no conjunto da cristandade, restringiu sucessivamente o domínio da guerra, as crueldades da guerra, as durações da guerra. É assim, com leis precisas, que se edificou a cristandade pacífica.[24] (PERNOUD, 1997. p. 81.).
A ‘educação do soldado’ constitui-se de vital importância para a crença na Paz Social, como algo possível, atingível – é ter feito do soldado da velha guarda um cavaleiro. Aquele que se batia por amor dos grandes golpes, da violência e da pilhagem tornou-se o defensor do fraco; transformou a sua brutalidade em força útil, o seu gosto pelo risco em coragem consciente, a sua turbulência em atividade fecunda; A cavalaria é a instituição medieval da qual com maior gosto se guardou a recordação. (PERNOUD, 1997. p. 81ss).
O cavaleiro deve ser piedoso, dedicado à Igreja, respeitador das suas leis: a sua iniciação começa com uma noite inteira passada em orações diante do altar sobre o qual está deposta a espada que ele cingirá.
A cavalaria foi o grande entusiasmo da Idade Média; o sentido da palavra: cavalheiresco[25], que ela nos legou, traduz muito fielmente o conjunto de qualidades que suscitavam a sua admiração. Basta percorrer a sua literatura, contemplar as obras de arte que dela nos restam, para ver por todo o lado, nos romances, nos poemas, nos quadros, nas esculturas, surgir este cavaleiro do qual se representa.
            Por ‘temor de Deus’, por cavalaria, procurava-se aprisionar de preferência a matar: os Guerreiros cristãos não têm sede de espalhar sangue. A Paz impera por necessidade da sociedade, assim se torna Social.[26](PERNOUD, 1997. p. 47ss).
Faz-se necessário compreendermos o termo ‘Servidão’, que traz uma clara distinção do mundo antigo para o medieval: a instituição da garantia da Paz Social, pela Igreja: 
SERVIDÃO. — A diferença entre a servidão e a escravatura permite captar ao vivo a oposição entre a sociedade antiga e a sociedade medieval, pois, ao contrário do escravo, tratado como uma coisa, o servo é um homem que possui família, lar, propriedade e se encontra livro para com o seu senhor no momento em que paga a renda, em troca da qual está protegido contra o desemprego, o serviço militar e os agentes do fisco. Suscitou vivos protestos: os dos servos, quando os quiseram libertar em massa. Estes, pela sua resistência a essa medida, ficaram na história sob o nome de «servos recalcitrantes». (PERNOUD, 1997, p. 205) (Grifos nosso).
            A Reforma Protestante cunha às bases para que esta garantia a posteriori – A Paz Social se assegura na Modernidade, ‘liberta’ da Igreja: arraigada no Direito[27]. (HAYASHI, 2012).
"Isso porque, em forma modificada, a Carta Magna tornou-se parte e alicerce da legislação britânica atual. Ademais, juntamente com a Declaração de Direitos (Bill of Rights) de 1791, formou a base de todas as leis dos Estados Unidos da América. Não é um exagero considerar que tal documento criou as condições para que liberdades e direitos civis pudessem se estabelecer, primeiramente na Grã-Bretanha e, mais tarde, no mundo ocidental.". (HAYASHI, 2012). 
            
4 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CALVINO, João. Sobre o Governo Civil.In: HÖPFT, Harro. Sobre a Autoridade Secular.Tradução de Hélio de Marco Leite de Barros e Carlos Eduardo Silveira Matos. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

CHAUNU, Pierre. O tempo das reformas, Lisboa: Edições 70, 1993.

ERLICH, Eugen. Fundamentos de Sociologia do Direito. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1986.

FONSECA, Luís Adão da.La Cristiandad MedievalEUNSA, 1984.

GOFF, Jacques Le & SCHMITT, Jean-Claude (orgs.). Dicionário temático do Ocidente Medieval. Bauru: EDUSC, 2002. v. II

GROSSI, Paolo. A ordem jurídica medieval. Trad. Denise Rossato Agostinetti. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2014.

GROSSI, Paolo. Mitologias jurídicas da modernidade. Trad. Arno Dal Ri Júnior. 2ª edição. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2007.

GROSSI, Paolo. O direito entre o poder e o ordenamentoTrad. Arno Dal Ri Junior. Belo Horizonte: Del Rey, 2010.
HAYASHI, Marisa Regina Maiochi. Idade Média: História e Direito. Terça-feira, 9 de outubro de 2012. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI165433,101048-Idade+Media+Historia+e+Direito>. Acesso em: 12 NOV 2017.

LUTERO, Martinho. Sobre a Autoridade Secular. In: HÖPFT, Harro. Sobre a Autoridade SecularTradução de Hélio de Marco Leite de Barros e Carlos Eduardo Silveira Matos. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

MACEDO, José Rivair. Concílios Ecuménicos Medievais. In: MAGNOLI, Demétrio . (Org.). História da Paz. São Paulo: Contexto, 2016.

OLIVEIRA, Manfredo Araújo. A paz social.In: <https://www20.opovo.com.br/app/opovo/opiniao/2014/11/15/noticiasjornalopiniao,3348602/a-paz-social.shtml>. Acesso em: 9 Nov. 2017.

PERNOUD, Régine. Luz sobre a Idade Média. Tradução de Antônio Manuel de Almeida Gonçalves. Publicações Europa -America, 1997.

SALGADO, Karine. A Filosofia da Dignidade Humana: A contribuição do alto Medievo. 1. ed. Belo Horizonte: Mandamentos, 2009. 

SALGADO, Karine. História Direito e Razão. Disponível em: < http://www.publicadireito.com.br/conpedi/manaus/arquivos/anais/manaus/direito_racion_democ_karine_salgado.pdf>. Acesso 12 Nov 2017.

STRAUSS, Leo; CROPSEY, Joseph (orgs.).História da filosofia política. Trad. Heloisa Gonçalves Barbosa. Rio de Janeiro: Forense, 2013.

VILLEY, Michel. A formação do pensamento jurídico moderno. Trad. Cláudia Berliner. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

WEBER, Max. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. Tradução de M. Irene de Q. F. Szmrecsányi e Tamás J. M. K. Szmrecsányi. São Paulo: Cengage Learning, 2010.


[1] Graduando do curso de Ciências do Estado da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Monitor no departamento de Direito do Trabalho e Introdução ao Estudo do Direito, UFMG. Pesquisador de Iniciação Científica voluntária na UFMG, sob a orientação da Profa. Dra. Karine Salgado. Cf. lattes: http://lattes.cnpq.br/4469266731636889.
[2] Graduanda do curso de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais. Monitora das disciplinas de Introdução ao Conhecimento Científico do Direito e do Estado (2017/1) e Pensamento Jurídico-Político Brasileiro (2017/2). Pesquisadora de Iniciação Científica voluntária na Universidade Federal de Minas Gerais, sob a orientação da Profa. Dra. Karine Salgado. Cf. lattes: http://lattes.cnpq.br/9542012442179743.
[3]Bacharel licenciado em Filosofia (PUC-MG 2003), Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Direito da Faculdade de Direito da UFMG (2017-), na linha 4 – Estado, Razão e História – área de estudo: E-01 – Filosofia do Estado e Cultura Jurídica, sob a orientação da Profa. Dra. Karine Salgado. Cf. lattes: http://lattes.cnpq.br/8767343237031091.
[4] WEBER (2001, p. 54) afirma que foi entorno da fé calvinista (concentrada nos países hoje capitalistas, como Reino Unido, França, Países Baixos) que as grandes disputas políticas e culturais do século XVI e XVII aconteceram.  
[5]Lutero (in HÖPFL, 2005, p. 8) afirma que um de seus objetivos, no tratado Sobre a Autoridade Secular, é encontrar “[...] um firme alicerce para a lei secular e a Espada, de modo que remova qualquer possível dúvida quanto a ambas estarem no mundo como resultado da vontade e da providência divina”.
[6] Não obstante isso, “para Lutero, poucas orientações de caráter vinculatório quanto ao governo da Igreja são encontradas nas Escrituras, o que predispõe a aceitar grande parte do que é tradicional ou parece ser vantajoso nas circunstâncias. Para Calvino, a comunidade política da Igreja deve conformar-se às Escrituras, e nem a tradição nem o governo temporal devem ter permissão para exercer autoridade nessa área. Ora, se essa área controversa for entregue ao Estado, como quer Lutero, torna-se cada vez mais difícil para a Igreja manter a sua própria autonomia (ou melhor, teonomia), mesmo dentro do que Lutero reconhecia como a esfera própria da Igreja. E, se for concedia a esta última, como quer Calvino, a Igreja será constantemente tentada a ampliar a esfera da ‘disciplina’ de modo a afirmar sua superioridade e autoridade sobre o Estado” (STRAUSS; CROPSEY, 2013, p. 295).  
[7] “Isso não significa que nasce do fato (o que seria uma observação muito banal), e sim que o próprio fato tem aqui uma carga tão vital a ponto de poder se propor sem o concurso de intervenções alheias, mas com a única condição de se demonstrar dotado de efetividade, como fato autenticamente normativo, revelando a capacidade inata de ser por si só protagonista dos vários ordenamentos, em que chega a ser fonte em sentido formal” (GROSSI, 2014, p. 70).
[8] “Nesse caso, o direito comum – realidade extremamente elástica – contraía-se, por assim dizer, dando lugar a um direito local mais concreto e especial, ainda que destinado a mudar rapidamente conforme a mudança dos detentores do poder comunal” (GROSSI, 2014, p. 285).
[9] O direito outrora encarnava-se na história e compenetrava-se em si mesmo, de maneira que “o social e o jurídico tendem a se confundir” (GROSSI, 2007, p. 30). Outrossim, o direito não está relacionado com a vontade do Príncipe, mas está nas coisas, ou melhor, “está  no interior da natureza das coisas onde pode-se e deve-se descobri-lo e lê-lo” (GROSSI, 2007, p. 31). Portanto, o direito funda-se na razão, a lei é razão: “É justo por isso que a razão vem identificada como o instrumento do ordenar” (GROSSI, 2007, p. 32).
[10] “A lei torna-se pura, ou seja, um ato sem conteúdo, um ato ao qual nunca será um determinado conteúdo a dar o crisma da legalidade, mas sempre e somente a proveniência do único sujeito soberano. O qual se identifica cada vem mais em um legislador, em um legislador embaraçante, unindo intimamente a qualidade da sua criatura normativa à própria pessoa e a sua supremacia” (GROSSI, 2007, p. 39)
[11] “Mas um outro elemento discriminante salienta-se entre a lex dos medievais e a loy dos modernos: quanto à primeira, era marcada por conteúdos e finalidades bem estabelecidos – a razoabilidade, o bem comum -, tanto já a segunda propõe-se como realidade que não encontra em um conteúdo ou em um objetivo nem o seu significado nem a sua legitimação social” (GROSSI, 2007, p. 38).
[12]Aqui tratada de uma perspectiva teológica-normativa: “O resultado disto é uma paz que não significa apenas ausência de violência pela dominação de uma parte sobre as outras, nem muito menos (...) uma paz falsa “obtida como desculpa para justificar uma organização social que silencie ou tranquilize os mais pobres, de modo que aqueles que gozam dos maiores benefícios possam manter seu estilo de vida sem sobressaltos, enquanto os outros sobrevivem como podem”. Esta seria uma paz (...) efêmera para uma minoria feliz. Uma paz social verdadeira é aquela que é o fruto do desenvolvimento integral de todos. Não é uma massa arrastada por forças dominantes que pode ser o artífice deste mundo novo, mas uma nação toda construída pelos habitantes de um povo em paz, justiça e fraternidade agindo como cidadãos responsáveis pela configuração de sua vida coletiva.O fundamento normativo deste mundo de paz é a dignidade de toda realidade e de modo supremo a dignidade do ser humano enquanto ser pessoal, inteligente e livre e enquanto tal portador de direitos inalienáveis decorrentes como exigências da constituição do seu ser. Como o ser humano é essencialmente um ser histórico sua vida precisa tornar-se um esforço permanente para a efetivação destes direitos.A história humana, do ponto de vista normativo emerge, assim, como um campo de luta pela efetivação de direitos através da criação de instituições que reconheçam, positivem e efetivem direitos. Nesta ótica, uma questão extremamente importante na conquista de uma sociedade de paz social verdadeira é a problemática da propriedade dos bens. (...) Daí porque uma ordem econômica deve reger-se normativamente pelo princípio de buscar satisfazer as necessidades elementares de todos. (OLIVEIRA, 2014).
[13] “A relação entre os representantes do poder (...) oscilou entre a cumplicidade, a aliança e a disputa pelo poder”. (MACEDO, 2016, p. 28).
[14] A cristandade pode definir-se como a ‘universidade’ dos príncipes e dos povos cristãos obedecendo a uma mesma doutrina, animados de uma mesma fé, e reconhecendo desde logo o mesmo magistério espiritual. Esta comunidade de fé traduziu-se numa ordem desconcertante para cérebros modernos, bastante complexa nas suas ramificações, grandiosa, contudo, quando a examinamos no seu conjunto. Cf. (A organização Social. In: PERNOUD, 1997. p.13). 
[15] Na constatação de Karine Salgado: “A constituição (aqui evocada como reconhecimento – poder político Reformado) surge como resultado desta concepção, como forma racional de limitação do poder político. A idéia de constituição não poderia surgir anteriormente. Enquanto a criação do Direito foi compreendida somente sob a perspectiva da necessidade histórica que imediatamente o produzia, ou ainda, enquanto o direito foi, assim como a história, tomado como algo puramente contingente, não foi possível a concepção de uma norma que, produzida racionalmente, fosse capaz de estruturar o Direito e o poder de forma racional. Enfim, não foi possível a concepção de um projeto cuja efetivação resultaria na figura do Estado de Direito.”. Vemos a clara a importância do desenvolvimento histórico da humanidade e sua forma de organização do poder político. Cf. (SALGADO, 2017).
[16]E foi um conceito desenvolvido no decurso da Alta Idade Média que visava o controle da violência instalada, mais tarde esteve na origem de um preceito semelhante, a Paz de Deus. (GOFF; SCHMITT, 2002).
[17]Com a conversão ao cristianismo foi possível criar períodos de paz em que os diversos governantes não praticassem atos violentes, que poderiam durar meses, épocas festivas cristãs como a Páscoa ou o Natal, ou dias especificados da semana reservados para a prática cristã.(GOFF; SCHMITT, 2002).
[18]“Constantino fez muito mais que reconhecer publicamente o monoteísmo cristão. Ele beneficiou a Igreja com doações, mandou transformar templos pagãos em templos cristãos em Roma, Nicomédia e Antioquia e ao inaugurar Constantinopla em 330, recriou, na ‘Nova Roma’, o hipódromo, fontes e pórticos ao estilo latino, além de mandar construir diversas igrejas. Paralelamente, autorizou e destruição de templos e ídolos pagãos, que doravante passariam a ser identificados com o mal e com os demônios”. Assim a Paz de impôs como Governo.(MANCEDO, 2016, p. 25).
[19] “(...) a percepção da valorização do homem enquanto ser político, o que leva à exteriorização e à concretização de um valor que, inicialmente, era invocado apenas no plano espiritual, único objetivo para o qual os olhos humanos deveriam a principio se voltar. Com isso, outras funções e objetivos são colocados perante o individuo e novas formas de se compreender seu valor irão florescer”. Cf. (SALGADO, 2009. p. 128).
[20] Para uma compreensão sistematizada do contexto medieval, indicamos o livro da professora Karine Salgado, divididos em três capítulos, sendo: 1. Capitulo 1 (abordagem antropológica – das definições da natureza do humano); 2. Capitulo 2. (abordagem ética – trata-se a liberdade como elemento diferenciador do humano) e Capitulo 3. (abordagem jusfilosófica – relações entre poder temporal e espiritual). Em suma um trabalho de Filosofia do Direito que revela: “(...) o pensamento começa a se preparar para a compreensão da real natureza humana e dos reflexos imediatos que deve gerar no direito, enquanto garantidor do respeito a esta natureza para todos”. Cf. (SALGADO, 2009. p. 176).
[21] Leitura comumente realizada negativamente da Idade Média por muitos. Cf. (A Realeza. In: PERNOUD, 1997. p. 61). 
[22]Ibidem. p. 61 ss.
[23] O direito de guerra privada continua considerado como inviolável pelo poder civil e pela mentalidade geral; manter a paz entre os barões e os Estados apresenta, portanto, imensas dificuldades, e, se não fosse a cristandade, a Europa corria o risco de nunca passar de um vasto campo de batalha. O sistema feudal maneja toda uma sucessão de arbitragens naturais: o vassalo pode sempre recorrer de um senhor ao suserano deste último; o rei, à medida que a sua autoridade se estende, exerce cada vez mais o seu papel de mediador; o Papa, enfim, continua o árbitro supremo. Basta, frequentemente, a reputação de justiça ou de santidade de um grande personagem para que se recorra, assim, a ele. Cf. (A mentalidade medieval. In: PERNOUD, 1997. p. 193).
[24] A primeira destas medidas foi a Paz de Deus: é também a primeira distinção que foi feita, na história do mundo, entre o fraco e o forte é feita proibição de maltratar as mulheres, as crianças, os camponeses e os clérigos; as casas dos agricultores são, como as igrejas, declaradas invioláveis. Cf. (A Igreja. PERNOUD, 1997. p. 81). 
[25] “Cavalheiresco: ca.va.lhei.res. cokɐvɐʎɐjˈreʃku, adjetivo: 1.            próprio de cavalheiro; que possui maneiras e comportamento nobres; distinto, 2.             relativo a cavaleiro, 3. digno de um cavaleiro, 4.             relativo às novelas de cavalaria. Cf. (Dicionário, 2017). 
[26] Quando uma máquina de guerra é demasiado mortífera, o papado proíbe o seu emprego; o uso da pólvora de canhão, cujos efeitos e composição se conhecem desde o século XIII, só começa a propagar-se no dia em que a sua autoridade já não é suficientemente forte e em que já se começam a ‘abandonar’ os princípios da cristandade. Cf. (A vida hurbana. In: PERNOUD, 1997. p. 47ss).
[27] Para um estudo aprofundado indicamos um artigo de HAYASHI, onde ‘Desmistificando a ideia de “Idade das Trevas”, a Era Medieval foi fecunda em criações artísticas, filosóficas e realizações jurídico-políticas de profundo significado para a história da civilização’. Cf. (HAYASHI, 2012).  









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