quarta-feira, 23 de outubro de 2019

No princípio era o Logos, e o Logos estava com Deus, e o Logos era Deus: Estado e religiosidade em Hegel






IX Congresso Internacional da Sociedade Hegel Brasileira: 
                                                                       Enciclopédia das Ciências Filosóficas - 200 anos

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No princípio era o Logos, e o Logos estava com Deus, e o Logos era Deus: 
Estado e religiosidade em Hegel


Paulo Roberto Cardoso[1]; Hugo R. Henriques[2]; Rodrigo M. A. Miranda[3]


RESUMO

A dialética do Estado de Hegel auxilia na compreensão da sua concepção da relação Estado-Religião, no movimento da universalidade abstrata do direito posto, à negação pelas particularidades das diversas religiões (incluída aqui a não-religião ateia), suprassumidas na universalidade concreta do Estado como Religião Absoluta. Se a Constituição positiva de um Estado representa um momento abstrato de sua cultura, as religiões podem ser compreendidas no momento da particularidade por representar uma disputa política, bem como uma manifestação cultural parcial relevante para a totalidade efetiva do Estado. O movimento de intersecção real entre a universalidade do Estado e a representação do Absoluto na Religião Revelada nos parece ser o movimento da aproximação da universalidade abstrata (da Constituição positiva – que necessariamente já traz em si a ideia da Religião Absoluta e propõe respeito às religiões particulares) para a universalidade concreta (o momento da Constituição efetiva – que suprassume e efetiva no todo do Estado, como Religião Absoluta, os movimentos anteriores como um novo e mais consciente momento, reconhecendo as particularidades que a compõem e sendo ela própria, então, Absoluta).  O trabalho busca compreender a relação entre as dialéticas do Estado e da religiosidade e discutir como a ideia de Religião Absoluta se relaciona com a concepção de Estado em Hegel. E, em especial, a partir do reconhecimento do respeito à especificidade cultural da Constituição de cada Estado (§274 da “Filosofia do Direito” e §545 da “Filosofia do Espírito”), discutir a necessária relação entre a universalidade abstrata do direito posto, as religiões que se desenvolvem num espaço cultural (particularidades), e a representação do Absoluto que necessariamente deve ser suprassumida no Estado como Religião Absoluta, capaz de exercitar o respeito às particularidades sem, entretanto, ser solapado por estas.
Palavras-chave: Hegel; Estado; Religião; culturalismo



NO PRINCÍPIO ERA O ESTADO


Ora, o que é capaz de libertar o ser humano de toda e qualquer autoridade exterior, que destrói sua liberdade, é a consciência de sua unidade e participação na liberdade absoluta. Todo fim particular pode submeter e escravizar o ser humano; só através da ligação ao fim ilimitado, absoluto, pode o ser humano encontrar sua transcendência sobre tudo o que ele experimenta. O ser humano só se pode tornar livre pela superação de seus limites, o que ele só pode conseguir através da experiência do caráter ilimitado do absoluto, enquanto liberdade absoluta. 
(Manfredo Araújo de Oliveira[4])

            Vivemos precisamente nesse ano de 2017 uma convergência das comemorações de grandes fatos históricos. Aos 200 anos da publicação da primeira edição da Enciclopédia das Ciências Filosóficas em Compêndio de Hegel, somam-se os 500 anos da publicação das 95 teses de Lutero[5], bem como os 100 anos da Revolução Russa[6]. Embora distantes no tempo, no espaço, e nas suas significações particulares, todos esses eventos convergem em ao menos um ponto essencial: todos eles permitem-nos avançar na compreensão da relação entre Estado e Religião.
            Se as teses de Lutero abalariam incisivamente a manutenção do poder milenar da Igreja de Roma, a reforma também influenciaria sobremaneira a constituição do pensamento de Hegel, inclusive tornando-se um dos temas centrais do filósofo que tinha consciência de sua fé Luterana (muito embora seus detratores não se abstivessem de questioná-la incessantemente). Por fim, a série de eventos que culminaram na Revolução Russa e na experiência de um socialismo real na História veria seu eclipse justamente na má compreensão de seus ideólogos acerca da centralidade da Religião na efetiva suprassunção do Espírito-de-um-povo no Estado[7].
            Entre esses eventos – ou seja, entre a efetivação de uma saudável e não subordinada relação entre Estado e Religião e a negação revolucionária dessa relação[8] – o pensamento de Hegel seria o momento de tomada de consciência tanto da importância dessa relação para a efetivação do Espírito na História, quanto da compreensão da complexidade dessa mesma relação para a dialetização das relações nas tríades do povo-instituições-Estado e fé-igreja-Estado, negando tanto a tomada do Estado pela moralidade (inclusive religiosa) subjetiva quanto pelos interesses imediatos da particularidade, mas compreendendo a importância da suprassunção de todos esses momentos na universalidade concreta do Estado.
O Estado é a efetividade da liberdade concreta; mas a liberdade concreta consiste em que a singularidade da pessoa e seus interesses particulares tenham tanto seu desenvolvimento completo e o reconhecimento de seu direito para si (no sistema da família e da sociedade civil-burguesa), como, em parte, passem por si mesmos ao interesse do universal, em parte, com seu saber e seu querer, reconheçam-o como seu próprio espírito substancial e são ativos para ele como seu fim último, isso de modo que nem o universal valha e possa ser consumado sem o interesse, o saber e o querer particulares, nem os indivíduos vivam meramente para esses últimos, enquanto pessoas privadas, sem os querer, ao mesmo tempo, no e para o universal e sem que tenham uma atividade eficaz consciente desse fim. [9]
            Se, conforme compreendemos a sistematicidade do pensamento hegeliano, ele bem compreendeu o papel das diversas religiões para as culturas de seus respectivos povos, por exemplo quando na Introdução à Filosofia da História ele afirma que “nas religiões, os homens produziram o que, para além da sua consciência, constitui o que há de mais elevado; elas são, por isso, a suprema obra da razão”[10]; é inegável que, também em sua obra, o cristianismo reformado desponta como momento de cumeada do pensamento ocidental e da consciência mais plena do Espírito Absoluto, como também bem percebeu Lima Vaz sobre a centralidade do pensamento cristão no Ocidente: “É indiscutível a justeza da intuição que une Ocidente e cristianismo numa comunidade de destino”[11]


E O ESTADO ESTAVA COM DEUS


Nesse sentido, se o Estado de Direito, Destino do Ocidente, foi gestado e preservado até a modernidade na própria estrutura eclesial da Igreja de Roma; é, portanto, evidente que a Religião Revelada, Destino do cristianismo, seja também preservada no Estado Ocidental – na forma da Religião Absoluta – no desdobramento e na suprassunção dialéticos da eticidade cristã no e pelo Estado. É nesse sentido que a tão debatida laicidade, tema recorrente de nossa contemporaneidade, não pode jamais ser compreendida e aceita como um movimento anti-religioso, ou, ainda, de supressão da politicidade da Religião em face do Estado, pois é somente no e pelo Estado que a Religião pode ter a efetividade plena de sua eticidade por meio do Espírito, como bem percebeu Charles Taylor:
Quando discute a laicização do Estado moderno, ele [Hegel] sustenta tenazmente a supremacia da sociedade política. Por conseguinte, em [sua] Filosofia do Direito, §270, Hegel deixa claro que a religião não pode ver sua vocação como em oposição ao Estado verdadeiramente racional. Porque este é a expressão real do direito no mundo. A Religião deveria reconhecer, muito antes, que o Estado é a concretização de sua ideia fundamental. [...] Sem a expressão concreta da vida ética no Estado, os preceitos morais da religião permanecem incertos e indeterminados quanto à sua expressão exata, bem como subjetivos quanto à sua aplicação[12].
Talvez o erro fulcral do Iluminismo (especialmente de sua vertente revolucionária anti-estatalista e anticlericalista francesa) seja justamente sua tentativa de extrair todos os objetivos e propósitos humanos do próprio ser humano, negando a possibilidade de uma idealidade metafísica a partir da qual o homem possa se perceber efetivamente humano – parecendo não compreender, o iluminismo, que a cultura, esse movimento a partir do humano mas que não se finda nem se limita pelo homem (enquanto subjetividade), nela inclusa a religião, é que efetivamente dá coesão às comunidades humanas – pois, nesse esforço de compreender a tudo em sentido estritamente imanente, queda inevitavelmente carente de conteúdo capaz de dar pleno sentido à experiência humana[13]. Ele é incapaz de encontrar uma verdadeira objetividade, que só seria possível na redescoberta, bem situada por Hegel e que, aliás, é também um renovado movimento perceptível na contemporaneidade, do vínculo do ser humano com o Geist maior, com Deus.
Deve-se julgar uma insensatez dos tempos modernos mudar o sistema de uma eticidade corrompida, sua constituição e legislação, sem a mudança da religião. [...] Há que considerar-se como simples expediente querer separar da religião os direitos e leis, na impotência em que se está de descer às profundezas do espírito religioso e de elevá-lo – a ele mesmo – à sua verdade.[14]
De fato, a supressão de um campo de debate – aqui, o religioso – do conjunto de sentidos disputáveis na arena política de um Estado consiste da negação do próprio movimento dialético desse campo, que vê-se impedido de contribuir para a construção do Estado – esse que deveria ser o momento da efetividade concreta, para onde confluiriam as contribuições e demandas de todos os demais momentos para que pudessem então ser suprassumidos sob os fundamentos ocidentais do respeito e do bem-comum.
Uma supressão dessa natureza implica simultaneamente na negação de toda história e de toda historicidade da religião que passa a ser então tratada como um mero dado antropológico para a apreciação de um conceito que não chegou a se efetivar, já que foi desautorizado de participar do/no Estado. 
Ao contrário, em Hegel, as Religiões são vivas e plenas de forças (inclusive políticas), sendo uma das substâncias essenciais que dão coesão e coerência ao espírito de um povo – e, como tal, devem estar permanentemente imbuídas de plena capacidade política –, e, portanto, se apresentando enquanto particularidades de uma universalidade que se concretiza no Estado; mas também repletas elas mesmas de sentido propriamente Absoluto, vez que é o momento da Representação – que só ela pode fazer deste – no movimento dialético de Deus. E, no caso do ocidente, ganha relevo absoluto a representação do Deus cristão:
O dogma da trindade é ideal para os propósitos de Hegel. O universal sai de si mesmo, experimenta o rompimento consigo mesmo e engendra o particular (o pai gera o filho antes de todas as eras); e o particular, não obstante, retorna à unidade com o universal numa vida comum (o Espírito Santo procede do Pai e do Filho, e os une). Hegel vê, portanto, um profundo significado especulativo na noção de uma trindade eterna, um jogo de amor no próprio absoluto. Em contraposição a todas as religiões monoteístas precedentes, a religião trinitária compreende que Deus é movimento, autotranscendência rumo ao particular, e retorno à unidade; ela compreende que sua unidade é fundamentalmente um retorno da disjunção, que ele é três em um. Deus não permanece imóvel em si mesmo.[15]
Se o legado central da Reforma protestante é que a religiosidade cristã tem de ser seguida em espírito, também na subjetividade e não meramente na institucionalidade, ela também deu vazão a uma tendência de ruptura da comunidade dos fiéis e à internalização extrema da experiência religiosa. Essa tensão entre a subjetividade e a comunidade, que precede a Reforma, mas que nela recebe novo fôlego, permanece como um dos embates centrais da cultura ocidental.


E O ESTADO ERA DEUS


O desdobrar-se dessa ideia na história da civilização ocidental nos legou a necessidade de que sujeito e absoluto se reconciliem, no momento da eticidade, na comunidade soberana e autodeterminada, mediatizados, ao menos em alguma medida, pelas instituições religiosas. Isso implica necessariamente na participação do conteúdo próprio da Religião – as diversas representações do Absoluto – na configuração tanto do Espírito de um povo quanto de seu Estado, ou seja, a constituição de todo Estado ocidental – ou bem positivamente na constituição formal, ou necessariamente, sempre, na sua constituição material – precisa trazer em si as formas da relação entre ele (o Estado) e as perspectivas de religião de seu povo, bem como as formas como estas influenciam em toda a Weltanshauung – a mundivisão – deste[16]
De fato, é inegável a inter-necessidade existente entre o Absoluto na Religião e o Absoluto no Estado (bem como com o Absoluto na Arte). A experiência imanente depende da possibilidade de sua negação na experiência transcendente, como a experiência transcendente não teria sentido, e talvez não tivesse vida, sem o seu reflexo na imanência. É justamente nesse sentido que nos assevera o Professor Alfredo de Oliveira Moraes, quando percebe, acerca da relação entre a infinitude finita de Deus e a finitude infinita do homem particular, que:
Somente o conhecimento efetivo de Deus pode re-ligar, ou seja, tornar efetiva a dupla mediação: a) de Deus consigo mesmo, momento em que o Espírito Infinito reconhece o espírito finito como outro de si mesmo – a imagem e a semelhança que permite a Deus pôr-se fora de si, permanecendo em si como Conhecimento Absoluto; b) do homem consigo mesmo, momento em que o espírito finito se reconhece como sendo no Espírito Infinito – a Verdade de si mesmo no espírito finito é a suprema determinação de ser na finitude a realização da liberdade divina[17]
O movimento de intersecção real entre a universalidade do Estado e a representação do Absoluto na Religião Revelada nos parece ser o movimento da aproximação da universalidade abstrata (da Constituição positiva – que pode já trazer em si a ideia da Religião Absoluta, propondo, na esteira da ideia do respeito à diversidade – inscrita na democracia –, tão cara ao Ocidente, respeito às religiões particulares) para a universalidade concreta (o momento da Constituição material e efetiva – que suprassume e efetiva no todo do Estado como Religião Absoluta os movimentos anteriores como um novo e mais consciente momento – a Cultura –, reconhecendo as subjetividades e particularidades que a compõem, suprassumindo-as como momentos de seu Todo, mas resistindo à sua tomada pela particularidade de qualquer uma delas, e sendo ela própria – a Cultura –, então, Absoluta).
            Nesse sentido, nas anotações ao parágrafo 552 da Enciclopédia, Hegel nos alerta que 
O Estado é o desenvolvimento e a efetivação da eticidade; mas [...] a substancialidade da eticidade mesma e do Estado é a religião. Segundo essa relação, o Estado repousa na disposição ética, e esta na religiosa. Sendo a religião a consciência da verdade absoluta, o que deve valer como direito e justiça, como dever e lei, isto é, como verdadeiro, no mundo da vontade livre, só pode valer enquanto tem parte naquela verdade, está subsumido sob ela, e resulta dela.[18]
Assim que, se há, de fato, valores fundamentais sobre os quais os Estados ocidentais se fundam, esses valores têm inscritos em sua gênese o vigor do desenvolvimento da cultura e das religiões (com inegável enfoque para as de matriz cristã); valores que, ademais, carregam em si o peso da tradição e da História de toda uma civilização que por eles lutou e permaneceu – em estado de bravura – se reafirmando como tal, e que dão sentido verdadeiro (telos) e pleno de conteúdo ético à experiência da comunidade humana ocidental que se perfaz no momento do Estado[19].
Mas se a verdade só pode se manifestar na liberdade (e, portanto, no momento pleno de politicidade e eticidade do Estado), e se esta mesma liberdade só se realiza efetivamente como liberdade que passa pela consciência, então também a verdade revelada da religião cristã só pode se realizar em sua compreensão pela consciência do Espírito.


CONSIDERAÇÕES FINAIS


 Se, por um lado, a religião, enquanto representação do Absoluto, só pode se realizar plenamente nesse sentido quando passa pela consciência – ou, mais propriamente, na Filosofia, que suprassume a representação religiosa do Absoluto na mediação consciente através da Razão –, esta, então, em seu movimento, deixa de ser Religião (representação ideal da eticidade) para ser Estado efetivo (constituição materialmente vivenciada) e, nesse momento de sua compreensão, contingente – ainda que em permanente movimento no Espírito de um povo.
            É justamente nesse sentido que ganha sentido mais compreensível a preocupação que já aventamos e que Manfredo de Oliveira igualmente percebe: “Para Hegel, o que constitui a tragédia específica do seu tempo e o que levou a vida política ao fracasso e o homem à escravidão é a separação tornada comum entre vida sociopolítica e religião”[20]
Ou seja, que a laicidade do Estado, decorrência natural do princípio protestante que se realiza na tomada de consciência da liberdade – inclusive religiosa, no momento da particularidade política, bem como da fé subjetiva – tenha sido tão mal interpretada enquanto uma necessidade profundamente enganosa de ateização do Estado ocidental – e é essa, aliás, justamente a má-compreensão (ateísta, no sentido de uma imposição de um modelo desencantado de mundo) que daria início à definitiva derrocada da experiência do socialismo real pelo combate espiritual (e, sem dúvidas, cultural) que lhe fez o Papa João Paulo II na Polônia.
            Se esse exemplo nos permite perceber a atuação inescapável do Tribunal da História, cabe também reconhecermos, a título de conclusão, a aguçada percepção de Hegel que, ao discutir os efeitos do trabalho teórico (e de suas implicações na cultura de um povo) em carta a Niethammer, ainda em 1808, afirma: “O trabalho teórico – estou cada vez mais convencido – alcança maior sucesso no mundo do que o trabalho prático. Uma vez revolucionado o reino da representação, a realidade não pode continuar a resistir.”[21]

 Só no princípio do espírito sabedor de sua essência, do espírito em si absolutamente livre, e tendo sua efetividade na atividade de sua libertação, é que está presente a absoluta possibilidade e necessidade de que coincidam em um só, o poder do Estado, religião e os princípios da filosofia, e de que se cumpra a reconciliação da efetividade, em geral, com o espírito.
(HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich[22])



BIBLIOGRAFIA


D’HONDT, Jacques. Hegel. Lisboa: Edições 70, 1999
FREI BETTO. Fidel e a religião: conversas com Frei Betto. São Paulo: Editora Brasiliense, 1985.
HAN, Byung-Chul. Agonia do Eros. Petrópolis: Vozes, 2017.
HEGEL, Georg Wilhelm FriedrichEnciclopédia das Ciências Filosóficas – em compêndio. Vol. III – A Filosofia do Espírito. Trad. P. Meneses/ J. Nogueira Machado. São Paulo: Edições Loyola, 1995.
HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Filosofia do Direito. Trad. Paulo Meneses. São Leopoldo: Ed. UNISINOS, 2010.
HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Introdução à Filosofia da História. Lisboa: Edições 70, 2006.
LECOMTE, Bernard. O papa que venceu o comunismo. Serzedo: Asa Portugal, 1993
LIMA VAZ, Henrique Cláudio de. Escritos de Filosofia I: Problemas de fronteira. São Paulo: Edições Loyola, 1986.
MORAES, Alfredo de Oliveira. A metafísica do conceito: sobre o problema do conhecimento de Deus na Enciclopédia das Ciências Filosóficas de Hegel. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2003.
OLIVEIRA, Manfredo Araújo de. A religião na sociedade urbana e pluralista. São Paulo: Paulus, 2013.
TAYLOR, Charles. Hegel: sistema, método e estudo. São Paulo: Realizações Editora, 2014.
WEBER, Max. A ética protestante e o ‘Espírito’ do capitalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.


[1] Professor de Ciências do Estado na Universidade Federal de Minas Gerais; é Doutor e Mestre em Direito pela UFMG, Especialista em Temas Filosóficos pela UFMG, membro da Sociedade Hegel Brasileira e do grupo de pesquisa dos Seminários Hegelianos (UFMG). E-mail: cardosopauloroberto@yahoo.com.br
[2] Doutorando em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais, bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) sob orientação do Prof. Dr. José Luiz Borges Horta; é Mestre em Direito pela Universidade de São Paulo, Mestre em Biologia pela USP, Bacharel em Direito pela USP, Bacharel em Biologia pela UFMG. E-mail: hugorezende20@yahoo.com.br
[3] Mestrando em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais, sob orientação da Profa. Dra. Karine Salgado; é Bacharel em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. E-mail: agendamarzano@gmail.com
[4] OLIVEIRA, Manfredo Araújo de. A religião na sociedade urbana e pluralista. São Paulo: Paulus, 2013, p. 280.
[5] As ’95 teses’ ou ‘Disputatio pro declaratione virtutis indulgentiarum’ foram escritas e publicadas por Martinho Lutero no ano de 1517 e são, desde então, consideradas como o marco deste cisma na cristandade – a Reforma Protestante – que marcaria toda a modernidade dadas as proporções com que as ideias reformadas se difundiriam e suas repercussões na Razão daquele tempo até os dias atuais (Sobre as inegáveis repercussões desse evento, especialmente, cf. WEBER, Max. A ética protestante e o ‘Espírito’ do capitalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2004). Enquanto o marco da civilização ocidental seria marcado a partir de então pela tensão permanente entre os referenciais da Igreja Católica Apostólica Romana e os das igrejas reformadas, numa tensão permanente e construtiva, os marcos da civilização extremo-ocidental (Reino Unido e suas antigas colônias) passariam rapidamente a uma predominância exacerbada dos referenciais reformados, especialmente à partir da migração maciça de populações reformadas perseguidas numa Europa majoritariamente cristã, para as terras onde viria a se configurar os Estados Unidos da América, que nesse momento ainda se mostrava extremamente receptivo a estrangeiros, contribuindo, por esse processo, no cisma do pensamento ocidental (inclusive entre a filosofia continental e a filosofia anglo-saxã).
[6] No conturbadíssimo ano de 1917 (às voltas com a Segunda Guerra Mundial, na qual, inclusive, estava envolvida), a Rússia passou por um processo revolucionário que culminaria na tomada do poder pelo partido bolchevique – sob a liderança de Vladimir Ilych Ulyanov (Lênin), um dos maiores estadistas do século XX, além de atento leitor de Hegel (Cf. LENIN. Cadernos sobre a dialética de Hegel. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2011) – abrindo um novo momento de disputas na ideia de Estado. De particular interesse é o fato de que, na esteira da doutrina marxista dominante nos debates da época, a Rússia bolchevique faria instituir um Estado ateu, inclusive chegando, em alguns casos, à proibição formal de manifestações religiosas. 
[7] Para muitos estudiosos, a derrocada final da experiência do socialismo real russo (bem como na maioria dos países sob sua esfera de influência mais direta) se deveu às ações do Papa João Paulo II que, polonês, interviria decisivamente no processo político de seu Estado natal – marcadamente católico e, portanto, resistente ao ateísmo imposto pela experiência comunista russa – por meio do apoio a setores reformistas que viriam a se constituir no ponto inicial da penetração da lógica capitalista nos países do leste europeu, dando início ao esfacelamento do bloco socialista, e em especial à fragmentação da União Soviética (Cf. LECOMTE, Bernard. O papa que venceu o comunismo. Serzedo: Asa Portugal, 1993). Outras experiências socialistas reveriam sua posição em relação à relação Estado-Religião e, talvez por isso, tenham tido uma maior sobrevida (Cf. FREI BETTO. Fidel e a religião: conversas com Frei Betto. São Paulo: Editora Brasiliense, 1985).
[8] Note-se que as negações, mesmo a mais completa e oficial negação da religião pelo Estado, como ocorrida durante a experiência do socialismo real soviético, quando compreendidas no mais importante dos julgamentos, o do Tribunal da História, podem ser bem compreendidas como momentos importantes – talvez, até, essenciais – para o movimento dialético da consciência do papel da Religião no Estado (enquanto movimento na Cultura), com o Estado (enquanto movimento na Política) e pelo Estado (enquanto Absoluto na Constituição real de um povo).
[9] HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Filosofia do Direito. Trad. Paulo Meneses. São Leopoldo: Ed. UNISINOS, 2010, §260.
[10] HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Introdução à Filosofia da História. Lisboa: Edições 70, 2006, p. 137.
[11] LIMA VAZ, Henrique Cláudio de. Escritos de Filosofia I: Problemas de fronteira. São Paulo: Edições Loyola, 1986, p. 283.
[12] TAYLOR, Charles. Hegel: sistema, método e estudo. São Paulo: Realizações Editora, 2014, p. 523.
[13] A experiência humana depende, para sua plenitude, de se reconhecer também fora de si, na transcendência do Espírito. A dialética (inclusa aqui a da consciência) exige a negatividade como um outro simultaneamente igual e diferente, como uma projeção externa da idealidade a partir da qual o humano pode se reconhecer enquanto tal, com suas semelhanças e diferenças à idealidade. Condenar o humano à uma condição de similitude visceral, onde todos têm virtudes e vícios, mas sem a experiência da perfeição do Absoluto é condená-lo a um inferno de iguais onde a negatividade não pode se manifestar de forma plena. Em sentido análogo, Byung-Chul Han denuncia os efeitos da ausência dessa negatividade efetiva na cultura contemporânea: “A cultura atual da comparação constante não admite a negatividade do atopos. Estamos constantemente comparando tudo com tudo, e com isso nivelamos tudo ao igual, porque perdemos de vista justamente a atopia do outro. [...] A tendência da sociedade de consumo é eliminar a alteridade atópica em prol de diferenças consumíveis, sim, heterotópicas. A diferença é uma positividade em contraposição à alteridade” (HAN, Byung-Chul. Agonia do Eros. Petrópolis: Vozes, 2017, p. 9)
[14] HEGEL, Georg Wilhelm FriedrichEnciclopédia das Ciências Filosóficas – em compêndio. Vol. III – A Filosofia do Espírito. Trad. P. Meneses/ J. Nogueira Machado. São Paulo: Edições Loyola, 1995, §552, comentário.
[15] TAYLOR, Charles. Op. cit., p. 528.
[16] Nesse sentido torna-se impossível desvincular a Religião e a Cultura e, portanto, o Estado. É nesse sentido que o respeito às diferentes culturas nas conformações dos Estados (e, portanto, o feroz combate à toda tentativa de uniformização das formas estatais – mesmo as econômicas –, a despeito do que desejam os globalistas) se mostra absolutamente relevante (e é também nesse sentido que um viés culturalista desponta na filosofia hegeliana): “Visto que o espírito apenas é enquanto efetivo, enquanto o que esse se sabe, e o Estado, enquanto espírito de um povo, igualmente é a lei compenetrando todas as suas relações, os costumes e a consciência de seus indivíduos, assim a constituição de um povo determinado depende, em geral, do modo e da cultura da autoconsciência do mesmo; nessa reside sua liberdade subjetiva, e com isso a efetividade da constituição” (HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Op. cit., 2010, §274) e “O Estado tem o lado, enfim, de ser a efetividade imediata de um povo singular e naturalmente determinado. Enquanto indivíduo singular, ele é exclusivo em relação aos outros indivíduos da mesma espécie. [...] Essa independência faz do conflito entre elas uma relação de violência, um estado de guerra, para o qual a situação universal se determina em vista do fim particular da conservação da autonomia do Estado perante os outros, em um estado de bravura” (HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Op. cit., 1995, §545).
[17] MORAES, Alfredo de Oliveira. A metafísica do conceito: sobre o problema do conhecimento de Deus na Enciclopédia das Ciências Filosóficas de Hegel. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2003, p. 295.
[18] HEGEL, Georg Wilhelm FriedrichOp. cit., 1995, §552, comentário.
[19] É dizer, portanto, que os Valores (ou, na constituição positiva, os Direitos) Fundamentais de uma cultura não são meras liberalidades de uma vontade constituinte originária cujos poderes são absolutos. Ao contrário, mesmo a vontade constituinte não pode jamais prescindir da História e, portanto, não pode jamais obliterar a permanência e a centralidade dos valores eleitos por uma nação (enquanto comunidade na História, antepassados e futuros membros inclusos) em seu núcleo.
[20] OLIVEIRA, Manfredo Araújo de. Op. cit., p. 276.
[21] HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Carta a Niethammer de 28 de Outubro de 1808, Correspondence de Hegel, Werke, (Hoffmeister), XXVII, Hamburgo, Meiner, 1952, p. 253 apud D’HONDT, Jacques. Hegel. Lisboa: Edições 70, 1999.
[22] HEGEL, Georg Wilhelm FriedrichOp. cit., 1995, §552, comentário.

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