segunda-feira, 4 de novembro de 2019

Religião e Poder: a Fé influencia no voto?





Religião e Poder: a Fé influencia no voto?[1]
Rodrigo Marzano Antunes Miranda[2]

Este assunto tem se mostrado cada vez mais presente no debate político local, porém é recorrente a divergência sobre a influência que as crenças, organizadas pelas igrejas têm nas escolhas dos eleitores efetivamente.
Com dinâmica rarefeita os 5.561 municípios de todo o país, expressam bem esta pauta, pois a opção religiosa e os valores morais são claramente atrelados a diferentes grupos. Mais o resultado das últimas campanhas eleitorais, deixa evidente o peso da religião nas escolhas do eleitor.
A questão central, para onde devemos direcionar nossas atenções, é o chamado o 'voto do fiel', principalmente no que diz respeito a ascensão política dos evangélicos, de diversas denominações, principalmente de cunho pentecostal. A pauta política nos últimos tempos se mostra impregnada por questões direcionadas principalmente pela atuação da Igreja, a saber, questões que pesaram, como nunca no último pleito: 1. a manutenção a todo custo da família tradicional; 2. aborto e gênero; 3. e é claro corrupção. 
Estes temas foram o grande mote eleitoral.[3] Tais igrejas acumularam um capital político que não pode mais ser ignorado. É uma presença consolidada e irreversível. 
Nossa estratégia e análise do cenário local, deve passar pelos valores morais e pela expansão da sociedade de consumo, pois este dois fatores, estão no cerne do 'voto evangélico'.
O voto em candidatos conservadores atrelados à religião se dá muito mais por conta da identificação com um sistema de valores morais do que a opção religiosa em si. Estamos falando de pessoas, que não se mostram, são quase que invisíveis no dia a dia. Se localizam nas periferias e não se sentem protegidas pelo Estado; encontram em 'Deus' tal proteção. A dificuldade para o acesso a bens de consumo também colabora, para que encontrem refúgio seguro na religião. Muitas vezes, a Igreja substitui o Estado até mesmo do ponto de vista material, dando ao Cristão/Cidadão direito a bens primários, trabalhando na mente das pessoas suas necessidades mais básicas, como alimento. Durante os governos sociais (Lula e Dilma), estas populações foram bombardeadas pelo discurso neopentecostal que 'Deus proverá' e a ascensão social de muitos foi atrelada a este discurso, fazendo com que as pessoas acreditassem que a melhora de vida foi resultado de seus esforços pessoais e de proveniência divina, não de politicas sociais.   
É inegável, esta maior presença da agenda pentecostal no debate eleitoral como algo natural. Trata-se, no entanto, de um cenário de maior pluralismo e diversidade de forças políticas. É mais um grupo, com sua bancada, seus representantes e interesses. As pessoas cada vez mais atinam para necessidade de se sentirem representadas. 
 O que precisamos sem dúvida saber diferenciar é que há mais forças entrando em jogo, é natural. Agora, uma coisa é o cenário político duradouro, outra bem diferente é o processo de eleição.
Cada vez mais o eleitor está decidindo seus candidatos porque eles se associam a determinadas religiões e mesmo que pesquisas não tenham conseguido determinar uma relação clara entre religião e sucesso nas urnas, é cada mais vez recorrente a associação de candidatos a forças religiosas.
A distribuição do apoio aos candidatos, aponta ainda discrepâncias entre os evangélicos pentecostais, que, em muitas situações, mostram posições divergentes e apesar da busca por apoio em diferentes grupos religiosos, é justamente entre os pentecostais que a disputa política de maior destaque se concentra, já que eles formam o grupo mais numeroso e poderoso dentro do universo evangélico, com cerca de cinco igrejas dominando o cenário: Universal, Assembleia de Deus, Renascer e Mundial do Poder de Deus.[4]
Não por acaso agora temos expressivo posicionamento na Câmara dos da chamada 'bancada evangélica': 1. questões relacionadas a costumes e à moral, defesa da ética e da vida humana, além daquelas afetas à honra da família são as que geralmente unem a bancada evangélica. Descriminalização do aborto, regulamentação da união civil homoafetiva e pesquisas com células-tronco são temas emblemáticos sobre os quais os membros da bancada atuam de forma coordenada. 2. a bancada atuou com unidade e fechou questão, por exemplo, nas deliberações sobre a Lei de Biossegurança, posicionando-se contrariamente à clonagem humana e à manipulação de embriões humanos e 3. o projeto que criminaliza a homofobia também coloca em lados opostos os membros da bancada evangélica e os deputados identificados com as questões de direitos humanos.[5]

Agora este cenário revela um projeto de poder?
O teólogo da PUC-Rio, Paulo Fernando Carneiro Andrade, em 2011, já apontava: 
As eleições (...) no Brasil trouxeram novas e urgentes questões em torno à articulação entre fé e política. (...) Habitualmente justificavam sua posição evocando Lc 20,25: “Pois bem, dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus” em uma leitura descontextualizada. (...) agora ninguém parece mais colocar em questão a relevância social da Fé Cristã e a necessidade de articular Fé e Política. Surge, porém, uma outra questão. Esta articulação tem sido algumas vezes feita de modo selvagem, em uma transposição direta, sem mediações, de uma esfera a outra. Sem dúvida a articulação entre Fé e Política é uma necessidade seja para a Fé, seja para a Política, porém nem toda articulação entre Fé e Política é legítima. Diante disto, a nova agenda da Pastoral Social e Política não deve ser mais o debate sobre a necessidade desta articulação, mas sobre o modo como esta relação deve se dar, legitimamente, em uma sociedade democrática, respeitando o que é próprio da Fé e o que é próprio da Política, evitando instrumentalizações nocivas à Fé e à Política.[6]

Apesar das diferenças sobre o impacto religioso de forma geral, temos que afirmar, que as igrejas evangélicas estão consolidadas como uma força política com a qual todos os partidos precisam negociar.
A penetração de grupos religiosos na esfera pública nacional, por meio de canais de televisão, tem aumentado exponencialmente. Logo, só o discurso religioso não é suficiente para ganhar novos adeptos, e se essa tendência já vinha se manifestando desde a década de 1990, ela atinge seu boom agora com a eleição presidencial de 2018, pois, a tendência identificada é de uma expansão da base de fiéis evangélicos, mesmo que em quantidade e não em qualidade, e maior penetração dessas igrejas e seus representantes na política brasileira.[7]
Portanto pode ser um exagero falarmos em um 'projeto de poder', mas fica claro um claro o 'projeto de participação mais intenso no sistema político brasileiro, colocando suas demandas'.
Medir a força da religião no processo eleitoral, é prematuro, mas que ela está mais presente do que no passado, é um fato inquestionável. Como isso vai se dar, se vai ser um fator de influência decisivo, só poderemos observar com o tempo.
Fica clara esta influência, na eleição de conselheiros Tutelares deste ano, pois, Política e religião não deveriam ser determinantes na escolha dos conselheiros tutelares, cuja missão primordial é defender os direitos de crianças e dos adolescentes com a necessária autonomia. Apesar disso, (...) a influência de figuras políticas e/ou de lideranças religiosas é marcante na disputa.[8]


 Portanto, devemos atentar para estes fatores: religião e política, pois: 
Quando se quer articular a Fé e o agir político torna-se, nessa perspectiva, imprescindível, manter o duplo olhar. De um lado o olhar Teológico sobre as escrituras e a Tradição, na qual e através da qual nos é transmitida a Palavra do Deus Vivo. De outro, o olhar das ciências sociais e humanas que nos permitem compreender de forma mais aprofundada o mundo, rejeitando a tentação de quer impor, por qualquer meio a Verdade a todos. É deste modo que a Igreja pode de fato contribuir para a Evangelização do mundo, colocando-se a serviço da Vida e da Justiça.[9]

Temos que informar, e mais que isso formar as pessoas, acerca desta correlação (Fé e Política) e faze-las atentar para o fato de que, muitos deturpam esta correlação com intuito de chegar ao poder. 
Não podemos aceitar, de forma alguma, que alguns líderes religiosos se aproveitem da boa fé de seus fiéis, que sequer são seus seguidores na realidade, para conseguirem um mandato político.[10] E a grande pergunta, que fica é a seguinte: Será que é válido conseguir o voto das pessoas a partir de sua crença? Pois: 
A eleição que interessa a Deus é de cunho espiritual e envolve a escolha de seus eleitos para seguir um evangelho puro e simples, que promova edificação de caráter, e não a degradação moral e a afronta à dignidade humana.[11]

Tais questões não são fáceis de serem respondidas e qualquer resposta seria, meio que incompleta, pois a peculiaridade de cada caso é que vai definir a licitude ou ilicitude de um líder religioso quando do seu contato com seus fiéis quando das eleições e o abuso de poder religioso visa à obtenção do voto. Isto, pode se manifestar de diferente maneiras, que acabam por manipular psicologicamente o eleitor através dos ensinamentos ou doutrinas da religião. Em alguns casos extremos, até mesmo promessas impossíveis são feitas para se alcançar o voto pela crença religiosa dos fiéis.[12]

Bibliografia utilizada: 

1.           ANDRADE, Paulo Fernando Carneiro. Fé, Política e Democracia. Novos desafios. In: <http://www.cefep.org.br/fe-politica-e-democracia-novos-desafios-paulo-fernando-carneiro-de-andrade/>. Acesso em: 28 Otu. 2019.
2.           BARBOSA, Fernando. Fé no voto. Em um país em que 90% têm alguma religião, ela pode fazer a diferença na urna. (DO UOL, EM SÃO PAULO). In: <https://www.uol/eleicoes/especiais/politica-e-religiao.htm#fe-no-voto>. Acesso em: 28 Otu. 2019.

3.           CHAPOLA, Ricardo. Religião e política: na eleição de 2018 e em outras disputas. (01 Set. 2018). NEXO JORNAL LTDA. In: <https://www.nexojornal.com.br/expresso/2018/09/01/Religião-e-pol%C3%ADtica-na-eleição-de-2018-e-em-outras-disputas>. Acesso em: 28 Otu. 2019.

4.           CORREIA, Débora Britto e Mariama. Política e religião influenciam eleições dos conselheiros tutelares. (MARCO ZERO). Em EM 27/09/2019. In: <https://marcozero.org/politica-e-religiao-influenciam-eleicoes-dos-conselheiros-tutelares/>. Acesso em: 28 Otu. 2019.

5.           CUTRIM, Mirla Regina da Silva. ABUSO DO PODER RELIGIOSO – Nova figura no direito eleitoral. In: <http://novoeleitoral.com/index.php/artigos/outrosautores/559-abuso-poder-religioso>. Acesso em: 28 Otu. 2019.

6.           NASSIF, Lourdes. Eleições 2018: bancada evangélica cresce na Câmara e no Senado. In: <https://jornalggn.com.br/congresso/eleicoes-2018-bancada-evangelica-cresce-na-camara-e-no-senado/>. Acesso em: 28 Otu. 2019.

7.           SAMPAIO JUNIOR, José Herval. O abuso de poder religioso nas eleições tem o mesmo mal dos demais! (JUSBRASIL). In: <https://joseherval.jusbrasil.com.br/artigos/438187557/o-abuso-de-poder-religioso-nas-eleicoes-tem-o-mesmo-mal-dos-demais>. Acesso em: 28 Otu. 2019.




[1] A BBC Brasil ouviu especialistas para tentar dimensionar as relações entre a religião e o voto do brasileiro em 2016 a beira das eleições presidenciais. Usaremos a leitura de tal pesquisa para fazer apontamentos sobre esta nova conjuntura. 
[2] Graduado em Filosofia (bacharel licenciado) PUC-MG (2005), especializado em Formação Política (lato sensu) PUC-RJ (2007), mestre em Direito pela UFMG (2019), doutorando do Programa de pós-graduação em Cidadania e Direitos Humanos, da Universitat de Barcelona (UB), na Catalunha, junto à Facultad de Filosofia (UB 2019-), orientado pelo Prof. Dr. Gonçal Mayos Solsona. Hoje é membro de dois grupos de pesquisa: o Grupo de Pesquisa dos Seminários Hegelianos (UFMG) e o Grupo internacional de Pesquisa em Cultura, História e Estado (UFMG-UB), sócio efetivo colaborador da Sociedade Hegel Brasileira e membro do grupo de pesquisa “Direitos Humanos: raízes e asas” (UFMG). Cf.: http://lattes.cnpq.br/8767343237031091.
[3] O último censo do IBGE, apontou um crescimento de 15,4% para 22,2% da população evangélica no Brasil entre 2000 e 2010.
[4] Levantamento do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP), órgão de assessoria parlamentar dos sindicatos brasileiros, demonstra, que a bancada evangélica que emergiu das urnas em 2018 apresenta aumento, em comparação com o pleito anterior (2014). Foram eleitos ou reeleitos 84 deputados identificados com as demandas, crenças e convicções deste segmento de interesse informal e suprapartidário na Câmara Federal. Em 2014, levantamento do DIAP identificou 75 deputados. Em 2010, a bancada iniciou os trabalhos legislativos com 73 representantes. O DIAP classifica como integrante da bancada evangélica, além dos que ocupam cargos nas estruturas das instituições religiosas — como bispos, pastores, missionários e sacerdotes — e dos cantores de música gospel, aquele parlamentar que professa a fé segundo a doutrina evangélica ou que se alinha ao grupo em votações de temas específicos.
[5] NASSIF, Lourdes. Eleições 2018: bancada evangélica cresce na Câmara e no Senado. In: <https://jornalggn.com.br/congresso/eleicoes-2018-bancada-evangelica-cresce-na-camara-e-no-senado/>. Acesso em: 28 Otu. 2019.
[6] ANDRADE, Paulo Fernando Carneiro. Fé, Política e Democracia. Novos desafios. In: <http://www.cefep.org.br/fe-politica-e-democracia-novos-desafios-paulo-fernando-carneiro-de-andrade/>. Acesso em: 28 Otu. 2019. p. 1. 
[7] BARBOSA, Fernando. Fé no voto. Em um país em que 90% têm alguma religião, ela pode fazer a diferença na urna. (DO UOL, EM SÃO PAULO). In: <https://www.uol/eleicoes/especiais/politica-e-religiao.htm#fe-no-voto>. Acesso em: 28 Otu. 2019.
[8] CORREIA, Débora Britto e Mariama. Política e religião influenciam eleições dos conselheiros tutelares. (MARCO ZERO). Em EM 27/09/2019. In: <https://marcozero.org/politica-e-religiao-influenciam-eleicoes-dos-conselheiros-tutelares/>. Acesso em: 28 Otu. 2019.
[9] ANDRADE, Paulo Fernando Carneiro. Fé, Política e Democracia. Novos desafios. In: <http://www.cefep.org.br/fe-politica-e-democracia-novos-desafios-paulo-fernando-carneiro-de-andrade/>. Acesso em: 28 Otu. 2019. p. 21. 
[10] SAMPAIO JUNIOR, José Herval. O abuso de poder religioso nas eleições tem o mesmo mal dos demais! (JUSBRASIL). In: <https://joseherval.jusbrasil.com.br/artigos/438187557/o-abuso-de-poder-religioso-nas-eleicoes-tem-o-mesmo-mal-dos-demais>. Acesso em: 28 Otu. 2019.
[11] CUTRIM, Mirla Regina da Silva. ABUSO DO PODER RELIGIOSO – Nova figura no direito eleitoral. In: <http://novoeleitoral.com/index.php/artigos/outrosautores/559-abuso-poder-religioso>. Acesso em: 28 Otu. 2019.
[12] CHAPOLA, Ricardo. Religião e política: na eleição de 2018 e em outras disputas. (01 Set. 2018). NEXO JORNAL LTDA. In: <https://www.nexojornal.com.br/expresso/2018/09/01/Religião-e-pol%C3%ADtica-na-eleição-de-2018-e-em-outras-disputas>. Acesso em: 28 Otu. 2019.

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